terça-feira, 21 de junho de 2011

Poemas de Iacyr Anderson Freitas





Elegia

o inverno quer ficar contigo
neste jardim,
onde um velho dorme.
ainda não são seis horas
e a nuvem
que outrora te acusava
some no azul, desfeita
por teu brilho
que envelhece,
                     é certo,
sem o alarde
dos ventos mesmos
de outrora.

o que procura estar contigo
não te envolve:
espera, agudo, neste jardim
inaugural
                entre formigas,
jornais
           e o que resta de setembro.

vives uma infância transitória
e teus cabelos cingem,
na cintura, o esboço
de um adeus
que a tua própria ausência configura.

(De Messe)



Ao princípio

as palavras perderam-se
pelo chão comum
das mitologias, ah
decerto não souberam chegar
               ao princípio
ao âmago
ao núcleo da água e do limo
                    (quem as visse
ante o ouvido endurecido,
já perdidas,
rogando clemência ou nacos de pão
                               ou vinho)

mas nada, nada resta agora
das palavras,
                 sua geometria quebrou-se,
desolada.

pois que não fique pedra sobre pedra,
pois que nada ao tempo frutifique
e além do extremo recinto
reste apenas uma nau,
sozinha,
                e um dique.


(De Messe)



E sobre o deserto

condenação primeira: carregar
os despojos desta tarde, arrastá-la
para fora do tempo
com seus ossos e nuvens,
enterrá-la onde não haja escape.

como os que buscam no alforje
entre serpes
o alimento de seus mortos,
também ofertarei meu corpo
às figurações da chuva e do trópico,
também poderei ungir
as cartilagens nulas de seu nome.

e sobre o deserto
e sobre os despojos de tudo
o que restou da tarde em seu transporte
permanece a mesma busca,
incessante, de uma terra mais
profunda e gasta, cada dia mais distante.

(De Messe)



Muriliames

III

levaram-me pelas mãos
sobre o feno
fizeram-me reconhecer
os oceanos que me modelaram
para o ocaso

agora entendo
o espasmo que rebenta
dos alheios frutos
a ferrugem e o claustro
sob toda a magnitude que amo

há muito esquecido
- na distância que se prolonga
antes
e depois de meu nascimento -
hei de chorar este dia
com os olhos em fogo
fizeram-me reconhecer
os ventos que me anteciparam

o ocaso com seus sulcos

e a treva
sobre toda a extensão
que amo

(De Messe)

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